Livro TRANS.POSIÇÃO.FRANCISCO

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Esta é a carta que enviei ao engenheiro civil da CODEVASF, Otavio Carvalho, sobre minha posição em relação ao projeto de tramsposição do rio São Francisco. respondida pelo advogado e jornalista Fernando Valença da folha de Pernambuco, publicada no livro:TRAS.POSIÇÃO.FRANCISCO (capa acima) da ANNABLUME Editora e Comunicação de São Paulo
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Petrolina – PE, 22 de novembro de 2008

Caro Dr. Otávio Carvalho

Venho através desta, cumprimentá-lo pelo reconhecido trabalho que você tem desenvolvido na área da engenharia civil desde os anos 70 e pela sua competência reconhecida no comando do projeto de irrigação do vale do Salitre. Sempre fui seu admirador pela sua luta, pelo seu desempenho profissional, mas agora depois que tive acesso a sua biografia enviada pela Marcia Vaitsman, minha admiração por você só aumentou, pois você demonstra muita humildade e perseverança na luta para superar as adversidades que a vida lhe ofereceu. Sei que no campo profissional somos divergentes em alguns pontos de vista, principalmente quando se trata do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco para a bacia do Nordeste Setentrional. Hoje chamado pelo governo federal de Projeto de Integração de Bacias. Embora respeitando sua posição favorável ao projeto em questão, para mim continua sendo projeto de transposição. Pois entendo que a mudança de nome não mudará os efeitos. Projeto esse que vem se arrastando de edição em edição desde 1847 quando o intendente do município do Crato – CE e, deputado provincial, Marco Antonio de Macedo idealizou tirar água do São Francisco e levar para a bacia do Jaguaribe. Em 1852, D. Pedro II contratou o engenheiro alemão Henrique Guilherme Fernando Halfeld para fazer estudo do vale do São Francisco, sobre a navegabilidade, onde no relatório foi sugerido também um projeto de transposição. Em 1856 Otávio, essa mesma proposta foi analisada com detalhes pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, mas em 1877 ocorreu uma grande seca que teve como resultado a morte de cerca de 500 mil pessoas, fato esse, que desestabilizou o império e o projeto não saiu do papel. Em 1886, mais um projeto foi elaborado pelo engenheiro Trist Franklin e foi mais um que não deu certo. A alegação do projeto ter fracassado foi atribuída a dificuldades técnicas e financeiras. Em 1906, o engenheiro e escritor Euclides da Cunha sob o argumento de que o Nordeste só poderia se desenvolver com maior garantia de água, a idéia voltou à tona com mais uma proposta de projeto que implodiu.
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Depois de ficar anos a fio socado nos fundos das gavetas governamentais, na década de oitenta do Século passado, ganha consistência e insistência. Entre 1981 e 1985 o Departamento Nacional de Obras e Saneamento propôs uma derivação de 300 m3/s de água do São Francisco. Até aí meu caro Otávio, pouca gente sabia algo sobre transposição, mas em 1996, nasceu uma nova proposta para transpor as água do “Velho Francisco” de forma diferente. Fazendo as verdadeiras interligações de bacias hidrográficas. Aquele que seria o PROJETO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA BACIA HIDROGRÁFICA DO SÃO FRANCISCO E DO SEMI-ÁRIDO NORDESTINO. Apresentada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba-CODEVASF, foi considerada à proposta menos danosa, pois nela previa a regularização da bacia, na tentativa de inserir-se nas diretrizes e objetivos governamentais para a região, como parte do compromisso firmado pela vida do São Francisco na ECO 92 para a Agenda 21.


Sabemos que a vazão do Velho Chico, na barragem de Sobradinho, naquela época já girava em torno dos 2.060 m3/s, quase completamente comprometidos com a geração de energia e com a irrigação. A minuta do projeto da Codevasf propunha a transposição das águas excedentes das bacias limítrofes do Tocantins e do Paraná por meio da bacia do rio São Marcos, trazendo para a bacia do São Francisco 650 m3/s através de canais e túneis e mais 180 m3/s, vindos das barragens de regularização, que seriam construídas nos afluentes perenes do Velho Chico. Isso foi previsto para garantir a distribuição de água para usos múltiplos em todo o Vale. Dessa forma cerca de 3.700 km de canais e reservatórios interligados seriam abastecidos com águas captadas no São Francisco a partir dos Lagos de Sobradinho, Itaparica e Xingó e também na cidade de Cabrobó-PE, sem oferecer riscos ao rio. As águas seriam distribuídas com os estados de Pernambuco, Piauí, Bahia, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A proposta previa a implantação do projeto em etapas ao longo de 30 anos, até 2020 e tinha como meta proporcionar a melhoria de vida de cerca de trinta milhões de habitantes, com incremento de um milhão e seiscentos mil hectares de terras irrigáveis no Nordeste. A parte mais importante dessa proposta foi à preocupação dos técnicos em colocar a revitalização da bacia do São Francisco como parte integrante do projeto. Mas infelizmente o governo da época não estava disposto a colocar a revitalização como prioridade. Por isso a proposta foi engavetada sem se quer entrar em discussão no Congresso Nacional.

Acho que você lembra amigo Otávio, que nos anos de 2000 e 2001, o Ministério da Integração Nacional, apresentou aos ribeirinhos do São Francisco, duas propostas de projetos no valor de três bilhões de reais cada, sendo uma para transpor as águas do “Tio Chico” para o Nordeste Setentrional e outro para a revitalização hidroambiental de sua bacia hidrográfica. Mas o Velho Chico certamente para se defender ameaçou secar. Lembra? E com isso o projeto mais uma vez foi para as gavetas do Ministério. Daí veio a ressurreição do projeto de revitalização, não mais com a proposta dos 3 bilhões apresentado anteriormente e sim, com apenas 1,2 bilhões para ser investido num período de 10 anos de 2001 a 2010. Reconheço que nesses últimos anos, alguma coisa tem sido feita, como ações pontuais no reflorestamento das margens e saneamento ambiental em algumas cidades localizadas na bacia. Mas não o suficiente para garantir a total revitalização prometida. Não sei se você lembro amigo Otavio, mas o ministro da Integração Nacional da época, Sr. Fernando Bezerra, fez para a revista VEJA, edição de 28 de fevereiro de 2001 a seguinte comentário: “A revitalização será feita, pois tirar água de um rio que está morrendo é jogar um monte de dinheiro fora”. Ele estava certo, mas continuou insistindo em tocar o projeto para frente.

Segundo a proposta do projeto (2001), a transposição não comprometeria o equilíbrio ambiental, o nível do rio, e, muito menos a qualidade de vida dos ribeirinhos e, ainda haveria um ganho imenso para as populações da bacia do Norte/Nordeste. Disto eu nunca duvidei, entretanto, o projeto não explica como ficaria a situação dos ribeirinhos que vivem nas margens deste rio, sentindo a brisa de suas águas e passando sede nas épocas de estiagens. Essa população, para não morrer de sede ou abandonar suas terras, cava buracos com enormes prufundidades em busca de água e nem sempre a encontra de boa qualidade para suprir suas necessidades. Ou então fica a mercê de carros pipas enviados pelo governo que nem sempre aparecem suficientemente para atender as demandas.

Em 2004, volta à tona e o projeto ganha cara nova. Desta feita passa a se chamar “Projeto São Francisco”. Nesse, o Presidente Lula quis acrescentar pelo menos mais cinco canais em relação ao projeto do governo anterior, sete barragens e sistemas para vencer desníveis, pelos caminhos para transpor cerca de 64 m3/s. Para isso a obra demoraria 12 anos e custaria aos cofres públicos 19 bilhões de reais. Ainda em 2004, o governo tentou obter licenciamento ambiental para dois desses canais e iniciar as licitações e destinou para a obra até 2007 2,5 bilhões de reais do Orçamento Geral da União.

De tudo foi feito um pouco para nos convencer de que esse projeto é inofensivo. Só não entendo é porque o Relatório de Impactos ao Meio Ambiente - RIMA, feito pelos técnicos do governo aponta pelo menos 44 impactos, dos quais, apenas 12 são positivos, os demais são negativos. Mesmo assim, se o Presidente Lula garantia veementemente que a transposição das águas do São Francisco para a bacia do Nordeste Setentrional começaria mesmo em 2005. Não começou, mas persistiu na idéia durante todo seu primeiro mandato, se utilizou de todos os meios para iniciar as obras, mas não conseguiu. Várias ações na justiça impetradas pelos movimentos populares, o IBAMA não conseguia liberar a Licença Prévia, O bispo de Barra-BA dom Luis Flávio Cáppio fez greve de fome, mas o Presidente Lula não desistiu.

No final do primeiro semestre de 2007, o Exercito montou acampamento em Cabrobó, como você mesmo sabe, e começou as primeiras escavações da obra. Os movimentos populares com o apoio de diversas entidades, paralizaram as obras. Mas o governo conseguiu a reintegração de posse da área e a obra continua.

Olha Otavio, muitas propagandas são divulgadas em torno desse projeto, eles dizem que é apenas “um pouco d’água para quem tem sede”. Que bom se fosse apenas isso. Levar água para o consumo humano e a dessedentarão animal via adutora seria mais do que justo, mas o projeto não conseguem explicar porque os dutos para levar esse “pouco” d’água têm que ser canais de vinte e cinco metros de Largura por cinco de profundidade. E a matemática utilizada, então, é inacreditável. No Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do São Francisco, aprovado pelo Comitê consta que, de um total alocável de 360 m³/s, 335 m³/s já se encontram outorgados para os múltiplos usos na própria bacia, restando apenas 25 m³/s. Mas o governo insiste em transpor um volume entre 26 e 127 m3/s. Para isto, terá que cancelar as outorgas existentes e outros investimentos que demandem água na bacia. E nossos netos e bisnetos vão ficar privados de seus empreendimentos por falta d’água, na beira do rio São Francisco? O projeto prevê retirada mínima de 26 m3/s ou 26 mil litros por segundo e máxima: 127 m3/s ou 127 mil litros por segundo.

Queremos deixar claro que nossa resistência gira em torno de incoerências do projeto e do governo, desrespeitando a Natureza e sem um planejamento adequado, não fez e não exigiu que fizessem um estudo criterioso, e, dessa forma condenam irremediavelmente o Velho Chico que há séculos vive sendo agredido: com os desmatamentos que praticamente já foi destruída toda sua vegetação nativa que compunha as matas ciliares, salinização dos solos das áreas irrigadas, ativando o processo de desertificação no Vale; com o uso indiscriminado de agroquímicos na agricultura, cujos resíduos (a maioria cancerígenos) são despejados em suas águas; com o assoreamento pela perda de suas mata ciliares, enfim, com a transformação do rio em esgoto de indústrias, lixeira e escoadouro de matérias fecais ao longo de seu curso.

São por estas razões que me posiciono contrário a esse projeto, pois entendo que ele precisa ser rediscutido e reavaliado criteriosamente os indicadores que apontam impactos terrivelmente negativos, embora não desconheça seus impactos positivos, mas que esse é o tipo de projeto que “suas qualidades não cobrem seus defeito”. Assim sendo, permita-me com todo respeito, pedir-lhe que reflita mais sobre sua posição favorável ao projeto em epigrafe. O rio São Francisco e a Natureza agradecem.

Sem mais para o momento, agradeço-lhe antecipadamente pela atenção dispensada para uma causa tão nobre.

Atenciosamente

Vitorio Rodrigues de Andrade
Petrolina-PE

Depois vou publicar a resposta dada por Fernando Valença, que não poupou as alfinetadas, pois ele é a favor do projeto da forma como está sendo executado. Como se trata de um debate a tréplica virá, não tenham dúvidas.